segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Magda IV


Magda acordou docemente. Todas as dores tinham desaparecido. As ataduras, embora meio apertadas, não a magoavam mais. No seu corpo circulava um fluido benéfico, um bálsamo que lavara o cansaço, uma energia vital dantes desconhecida. Sentia-se como se tivesse repousado por séculos, como se uma nova vida estivesse a ter início naquele exacto momento. Respirou profundamente enchendo os pulmões com o ar daquele cativeiro, um ar que, embora impuro, lhe parecia agora carregado de uma incógnita serenidade.

-Será que eu nasci mesmo para ser escrava, perguntou-se a ela própria?

E lembrou-se de um tempo já esquecido quando, na adolescência com quase quinze anos de idade encontrara, abandonada num banco de um jardim público, uma revista pornográfica com fotos de mulheres nuas presas com cordas e cadeados. Ao folhear aquelas páginas ousadas, Magda foi logo tomada por um sentimento de repugnância, misturado, todavia, com uma insana curiosidade. Rasgou em pedaços miúdos a revista, mas antes de fazê-lo, rapidamente arrancou, dobrou e guardou uma página retratando uma bela jovem totalmente despida, acorrentada, amarrada, de olhos vendados, que estava ajoelhada cabisbaixa diante de um homem elegante provido de uma sinistra máscara de carrasco de couro preto. Levou a foto para casa com a intenção de mostrá-la, em seguida, a alguma das suas amigas para, juntas, censurarem tanta perversidade. Mas acabou por esconder a foto no canto mais secreto de seu quarto.

As noites que se seguiram foram inquietas. Nos sonhos da adolescente apareciam algemas, grilhões, chicotes, escravas cheias de marcas e senhores misteriosos. Magda tentava afastar da sua mente as visões escandalosas, mas quanto mais se esforçava, mais elas retornavam a atormentá-la até que, numa quente noite de verão, levantou-se, foi buscar a foto e pôs-se sentada na cama a contemplá-la minuciosamente. Os seus peitos ficaram rijos enquanto a sua mão, quase que instintivamente, desceu e começou a acariciar o clítoris. Rapidamente a excitação tornou-se incontrolável e Magda, assustada e envergonhada, despedaçou a página e livrou-se dos vestígios sanita abaixo.

Durante uma semana a rapariga conseguiu repousar em paz. Uma tarde, porém, a tia com quem vivia, falou que a partir daquele mesmo dia Magda teria que ficar sozinha em casa, visto que ela iria sair todas as noites para “um novo emprego”. Magda não conseguiu entender que tipo de trabalho se tratasse: na ingenuidade da adolescência nem podia imaginar que a tia, ainda nova e charmosa, tinha arranjado um amante possessivo e de boas condições financeiras que morava numa vila mais distante.

Foi assim que a rapariga, finalmente dona de suas noites, caiu em tentação. Não tendo mais a fotografia em sua posse, e curiosíssima para descobrir quais as sensações que uma submissa podia sentir, resolveu atar as suas mãos com um cinto de couro e ficar imobilizada até ao raiar do dia. Gostou, e de seguida começou-se a masturbar, imaginando ser uma bela prisioneira possuída por um cavaleiro medieval. Algumas semanas depois, enquanto arrumava uma gaveta, achou uma corda não muito comprida e, naquela noite, fez algo que, até agora, sequer tinha tido a coragem de imaginar. Antes de atar sumariamente os seus pulsos, Magda amarrou os tornozelos e os polegares dos pés. Foi uma espécie de revelação. Uma sensação fantástica, geradora de um desejo avassalador. Segurando o cinto com os dentes, atou as mãos até ao limite, apagou a luz e deitou-se nua na cama, abraçando e beijando a almofada como se fosse o seu cavaleiro imaginário. Atingiu o orgasmo rapidamente. Adormecia, acordava suada e excitada, e de novo voltava a masturbar-se, alternando o sono e o prazer várias vezes por noite. Descobriu que, quanto maior o número de voltas que dava aos seus tornozelos, mais intensos eram os seus orgasmos. Acabou por ir à drogaria no centro da vila para comprar mais uns metros de corda. Obviamente, que quando ia de manhã para a escola, tentava esconder ao máximo as marcas que ficavam no seu corpo. Contudo, uma vez, o professor de educação física mandou os alunos ficarem descalços no ginásio e foi nesse momento que uma colega mais atenta notou as marcas e começou a gozar com ela.

- O teu namorado deve gostar muito de te amarrar aos pés da cama, não é? – disparou, afastando-se às gargalhadas.

Como Magda nem tinha namorado e muito menos conhecia o significado da expressão, nada respondeu, mas a partir daquele dia decidiu conter-se com as cordas e não houve mais incidentes. Enfim, entre os dezessete e os dezoito anos, quando o seu coração começou a bater mais forte por um rapaz de olhos claros, Magda, com uma reviravolta típica da adolescência, parou de atar-se e, por um bom tempo, não apenas não sentiu mais atracção pela submissão, e mais tarde, chegou até a zombar de uma amiga que lhe confessara ser adepta do sadomasoquismo.

Antes de ser raptada, ela achava-se perfeitamente normal em relação ao sexo, isenta de qualquer tipo de fetiche, a não ser, talvez, por uma sensibilidade mórbida que tinha pelos seus próprios pés. Com efeito, mesmo quando ninguém a via, sentia prazer ao olhar para os seus pés calçados por sandálias e sapatos de salto alto que escolhia rigorosamente.

As lembranças de Magda foram interrompidas pelos passos do carcereiro que se aproximava novamente. A aproximação de Henrique, que vestia apenas um longo roupão azul escuro e macias babuchas árabes, não perturbou os pensamentos dela que já não sentia aquele pavor inicial. Pelo contrário, foi invadida por uma sensação de alegria e de bem-estar. Henrique ajudou-a, que ainda permanecia deitada de bruços, a sentar-se e começou a retirar as cordas, os cintos e uma parte dos cadeados. Por fim Magda ficou com a coleira no pescoço. Uma pequena corrente, presa numa argola da mesma, terminava com duas robustas algemas que seguravam os pulsos. As mãos não podiam afastar-se uma da outra por mais de uns cinco centímetros e nem podiam descer abaixo do umbigo. Henrique deixou o cinturão de couro que apertava a cintura e os grilhões nos tornozelos. O senhor pegou as mãos juntas dela nas suas próprias mãos e começou a acariciar os dedos. Logo depois, aproximou-as à sua boca dando suaves beijos nas pontas dos dedos até ouvir os profundos suspiros de Magda.

Ele agora segurava as mãos da prisioneira apenas com a sua mão esquerda, enquanto que, com a direita, acariciava o rosto de Magda e passava os dedos nos seus cabelos negros e sedosos.

A venda foi retirada e o olhar dos dois encontrou-se pela primeira vez. Ficaram mudos por um tempo, as palavras pareciam totalmente desnecessárias. A cada instante as faces aproximavam-se de forma imperceptível, os desejos recíprocos alcançando níveis inacreditáveis. Enfim o encontro das bocas, um beijo interminável a formalizar o pacto secreto entre o dominador e a sua escrava.

Minutos depois, Henrique e Magda estavam deitados no colchão a fazer amor de forma intensa e, ao alcançar o orgasmo, ele gemeu num tom baixo enquanto ela gritou alto, tal foi o prazer dos dois.


Continua...

3 comentários:

goti disse...

Hummmm...fascinante...
Beijos doces!!

Luna disse...

Extraordinário relato.
espero não me esquecer de voltar :-D
Beijos de Luar

Anónimo disse...

Conforme a Luna disse, é efectivamente extraordinário.
Na minha opinião, algo que deveria ser lido por muita mais gente.
E reparando noutra palavra dela... mais parece um relato que uma "simples" história fantasiada.
Claro que, a meio do texto pressente-se que tudo vai acabar em bem e afasta-se-nos os espectro de outros relatos sado-masoquistas muito tenebrosos que, principalmente através do cinema, já nos foram servidos. Mas isso, em nada poderia diminuir o impacto deste.
Além do mais (para mim) uma escrita exemplar.
Parabéns e... grato pela experiência.
Miguel