sexta-feira, 15 de maio de 2009

Emissão Nocturna


- Passam cinco minutos das zero horas desta madrugada de 25 de Fevereiro de 2009. Benvindos a mais uma emissão do programa Brumas da Noite. A partir de agora, e até às três da manhã, este vosso amigo a fazer-vos a melhor companhia possível nos 95.4 FM da Rádio Clube da Covilhã. Muita música, alguma conversa pelo meio...e também a nossa habitual boa disposição.
Era assim que Duarte Neves, preenchia três horas por noite, de segunda a sexta feira naquela rádio local. A emissão abrangia toda a região da Beira Interior. A sua voz e selecção musical passaram a ser sintonizadas por milhares de ouvintes. Durante o dia, era professor de História na escola secundária Campos Melo no período vespertino. As noites na rádio preenchiam-lhe o vazio existencial e a solidão provocadas por uma viuvez precoce.
O programa era um sucesso em termos regionais. Muita música e essencialmente boa disposição. Duarte interagia com os ouvintes, passou a ser confidente via telefone, era muitas vezes cúmplice de vidas atribuladas.
Bastava uma piada no início do programa para que os ouvintes telefonassem:

- E para si, minha boa amiga, não esteja triste. De facto o seu marido ainda não chegou a casa, mas não pense coisas desagradáveis, não pense no que a vizinha lhe anda a meter na cabeça.
A seguir a estas palavras, passava uma música romântica, para logo a seguir continuar:
- Então, está melhor...naturalmente o seu marido, depois de sair do trabalho, encontrou algum amigo de longa data com quem esteve na tropa. Vá lá...fique bem disposta e descontraia. Não tenha maus pensamentos. Esta música é especialmente para si.
Mais um tema romântico para amenizar os ânimos das esposas irritadas. Três a quatro minutos depois o telefone tocava. Várias chamadas. Umas a seguir às outras. Aquilo parecia telepatia colectiva.
Este era um pequeno exemplo do fenómeno rádio; um pequeno recado e ele conseguia apanhar dezenas de situações que antevia e que estavam a acontecer naquele momento. Envolvia-se com os ouvintes em conversa telefónica, em off, e na segunda hora do programa voltava à carga. Mais uma série de telefonemas de todos os tipos.
Acabava o programa cansado, mas radiante. Despoletava uma corrente de cumplicidade, de participações estranhas. Como era possível as ouvintes acreditarem tanto nas suas palavras, produto da imaginação de quem conhece os hábitos dos homens e o pensar das mulheres.
Todas as noites vinham ao seu encontro, através do telefone, muitos desabafos e confidências. As pessoas do outro lado da linha falavam, relatavam ocorrências íntimas das suas vidas. Geralmente, para não dizer sempre, as conversas partiam de ouvintes solitários, que vivem sós, ou que estavam sozinhas por motivos diversos. Muitos idosos. Era doloroso, segundo as suas próprias palavras, viver entre quatro paredes à espera da morte. À espera dos filhos que tardam em visitá-los depois de se mudarem para as grandes cidades do litoral.

E depois existiam os telefonemas atrevidos e convites cheios de malícia.
- É o próprio Duarte Neves que está ao telefone... - inquiria uma voz melosa.
- Sim... - respondia ele.
- Adoro o seu programa, se não fose a rádio não sei como passaria as noites. Já não tenho paciência para ver televisão, continuava do outro lado da linha.
- Não me diga uma coisa dessas, replicava, a dar corda à ouvinte.
- Sabe, estou sempre sozinha a esta hora, o meu marido fica a trabalhar até tarde e depois ainda vai para os copos com os amigos.
- É um malandro o seu marido, deixar uma mulher tão simpática sozinha em casa. Isso não se faz...
- Você deixa-me toda arrepiada. A sua voz é ainda mais bonita ao telefone do que ao microfone, afirmava a mulher desconhecida.
- Espere um pouco, não desligue, tenho que mudar o CD e dizer alguma coisa ao microfone, dizia Duarte, prendendo a linha.
Telefonemas destes recebia vários durante as três horas de programa, alguns a perguntarem o que fazia além da rádio, que gostavam de o conhecer pessoalmente, etc. Entre todos os telefonemas e conversas sem pés nem cabeça, uns despertavam-lhe a atenção. Uma ouvinte que telefonava sempre por volta da meia-noite e tal a cumprimentá-lo, a desejar um bom programa, a pedir alguma música e depois, quase ás três horas, a dizer que tinha gostado muito, que era uma pena o Brumas da Noite acabar, mas que ia dormir a pensar nas músicas dele.
Duarte Neves, quando dava início ao programa, se não recebesse este telefonema, já estranhava e sem querer às vezes dizia:
- Esta noite sinto-me triste. Ainda não ouvi aquela voz maravilhosa que me inspira...vá lá, telefone para mim.
E ela telefonava mesmo. Pedia desculpa, explicava que a linha estava ocupada e que desde as dez da noite, aguardava ansiosamente que o programa tivesse início para falar com ele.

Andavam nisto desde Dezembro do ano anterior. Uma espécie de namoro platónico por telefone. Ele já sabia a sua vida toda. Por vezes o pregama terminava e ficavam a conversar até às quatro da manhã.
Segundo as suas palavras, tinha nascido e vivia em Gouveia, estava perto de completar trinta e nove anos e tinha uma filha com dezasseis anos. Casara cedo.
Possuía um restaurante muito conhecido na região da Serra da Estrela, e aparentemente vivia bem. Mas a rotina da vida que levaca deixava-a insatisfeita cada vez mais. O marido distraía-se com os amigos e com o futebol. Tinha o vício da pesca e da caça, o que fazia com que se ausentasse de Gouveia por alguns dias.
As amigas tinham as suas próprias vidas e os seus problemas ocupavam-nas. Sentia-se jovem e velha ao mesmo tempo. Queria mudar algo, mas tinha um grande receio, o medo de fazer asneiras.
O destino empurrava-os. Dizia que na intimidade do seu quarto, desejava conhecer-lo, que se tocava a pensar nele, que desejava conhecê-lo, beijá-lo, queria ser dele, mas tinha medo dela própria, que se ele correspondesse à imagem criada no seu subconsciente não saberia responder quanto ao futuro. Manifestações ocultas, desejos escondidos, mistérios difíceis de penetrar ou verdades absurdas, tudo isso estava a acontecer entre eles. Inevitável seria o encontro entre eles.

Foi num sábado do mês de Abril que se encontraram. Tinham combinado no parque de estacionamento do Intermarché da Covilhã, às três da tarde. Ela estaria junto do seu carro, um Lancia preto, e levaria calças jeans, botas até ao joelho e uma camisola bege. Ele iria vestido com calças beges e um pullover verde escuro, o carro era o jipe Suzuki.
- Boa tarde, sou o Duarte...
- Sou a Helena...disse ela, mal a encarou junto ao automóvel novinho em folha.
Ela estava com umas calças jeans, camisola de gola alta bege, tudo justinho ao corpo. Trazia botas até ao joelho, castanhas em pele, como o cinto largo. Uns brincos exóticos caem-lhe sobre os ombros. Duarte ficou deslumbrado. Ela olha-o de alto a baixo, perplexa e fascinada também.
- Pois é. Finalmente, frente a frente, deixa ele escapar nervosamente.
Mais descontraída agora e sorridente, vai-se adiantando na conversa.
- Não convém ficarmos aqui parados a olhar um para o outro. Isto são cidades pequenas e nunca sabemos quem podemos encontrar. Vamos sair daqui...
- Claro, estaciona melhor o teu carro e vamos dar uma volta no meu - diz Duarte.
Saem da parque de estacionamento e seguem na direcção da serra. Depois de várias curvas e contracurvas, avistando penhascos de granito, dirigem-se para a Torre. Ela quis afastar-se da turba de turistas que andava por ali. Preferiu ir para perto de um declive onde ainda havia laguma neve. Ele fez-lhe a vontade. Estava por sua conta.
A Helena era uma mulher atraente. Com a idade que tinha, fazia inveja a muita raparigas de vinte anos. Estatura média, talvez um metro e sessenta de altura, cabelos pretos a cairem-lhe nos ombros, olhos esverdeados, peito normal e cintura delgada. As pernas debaixo das calças justas mostravam ser bem feitas e, atrás, o rabo empinava-se, suplicando por umas palmadas.
Em frente a um horizonte imenso, acima dos dois mil metros de altitude, como dois namorados de escola e de mãos dadas, ouve ela dizer:
- Nem posso acreditar nisto!
- O que se passa...
- Excedes todas as previsões que fazia a teu respeito.
- Ainda bem. Quer dizer então que passei no exame das aparência - responde Duarte, seguro de si.
- E de que maneira! Esse cabelo volumoso, essa tua voz, os teus olhos. Ès muito atraente, diz, apertando a mão dele.
Duarte puxa-a de encontro ao seu corpo, fixa o olhar de Helena e vê os seus lábios entreabrirem-se. Ela abraça-o dengosamente e deixa-se beijar. Parecia uma garota estonteada e envergonhada com o primeiro contacto com o namorado. Lentamente, ele vai acariciando-a e começa a sentir a sua língua a enrolar-se na dele. Helena perde a timidez e passa a devorá-lo com beijos ardentes.
Ele faz uma breve pausa, olhando para meia-dúzia de adolescentes que se preparavam para iniciar uma escalada ali perto.
- Ai, que vergonha, tanta gente aqui...vamos embora para outro lado! - exclama Helena.
- Gostavas de ir para onde...
- Tu é que sabes, para um local onde possamos estar à vontade, quero-te muito.
- Tenho aqui as chaves de um chalet de uma tia minha, ali, nas Penhas da Saúde. Vamos para lá.

Duarte não tinha nada que pensar e muito menos que fazer. Foi só o tempo de entrarem novamente no jipe, fazerem o trajecto descendente da Torre para as Penhas da Saúde e pararem frente a uma casa de paredes de pedra, típica daquela região serrana.
Na semi-escuridão dum quarto com um ligeiro cheiro a mofo, com uma vista magnífica sobre a cidade da Covilhã, entregaram-se a uma sessão de sexo frenético de duas pessoas que se desejam há vários meses. Muito sexo, muito suor, muitas palavras e várias promessas...
Era quase noite quando Duarte a deixou no parque de estacionamento. Ela ainda tinha de ir para Gouveia, passar por casa e depois para o restaurante ajudar o marido. Ele regressaria também a casa. Iria confeccionar mais um jantar solitário. Depois, mais para o final da noite, iria alinhavar algumas ideias para o seu programa de rádio que voltaria a abraçar na segunda-feira seguinte. Mais uns quantos telefonemas e dezenas de músicas passadas com dedicatórias para ouvintes assíduos...


2 comentários:

Nemogeleia disse...

Isto de se trabalhar à noite tem muito que se lhe diga. A lingua é sempre precisa, muito mais para quem fala :)

Anónimo disse...

Gostei muito

Parabéns

beijos

Márcia