segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Tarde Cinzenta


Nuno estava sozinho naquela tarde chuvosa quando tocaram à campainha. Abandonou o copo em cima da mesa de centro, fecha a tampa do laptop onde visionava vídeos pornográficos de gosto de duvidoso e arrasta-se vagarosamente na direcção da porta.
Ao abrir a porta, depara-se com ela. Aquela mulher tinha deixado o seu coração alvoraçado durante os últimos meses. Ele estava numa figura deplorável. Vestia uma camisa de quadrados bastante larga, jeans coçados, estava descalço e com barba de três dias. Os cabelo desgrenhados e oleosos pendiam-lhe para os olhos. Raquel olhava para ele num misto de ternura e admiração. Apesar do aspecto decadente, os traços daquele homem que ela amava continuavam os mesmos. Sentiu que ele ruborizava e tentava fixar o olhar num ponto imaginário por trás dela. Nuno estava com sérias dificuldades de lhe enfrentar o olhar. Há mais de dois meses que não se viam. Ficaram em silêncio por momentos que pareciam durar uma eternidade. Ambos procuravam palavras para quebrar aquele silencioso perturbador.
Com um sorriso acanhado, ele faz sinal para que ela entre no apartamento. Entram na pequena sala que se encontrava mergulhada na obscuridade. Na mesa de centro, uma garrafas de whisky irlandês pela metade ao lado de um cinzeiro a abarrotar. Ela calculou que o Nuno deveria ter consumido um maço inteiro de cigarros pela manhã.
Era assim que ele estava a viver durante os últimos tempos. Vivia os seus dias trancado em casa, a embriagar-se e a intoxicar o seu organismo com doses massivas de nicotina.

Nuno pergunta se Raquel quer tomar alguma coisa. Logo de seguida, ri-se ao lembrar-se que apenas tinha whisky ou água mineral para lhe oferecer. Pede que ela se sente ao seu lado, no sofá velho e coçado. Procura um copo limpo, despeja um pouco de whisky nele e empurra-o na direcção dela. Raquel não profere uma única palavra e leva o copo à boca, sentindo aquele aroma forte invadir-lhe as narinas. Ele senta-se ao seu lado e ganha coragem para lhe perguntar o que a tinha feito ir até ali. Ela segura o copo com firmeza e procura o olhar esquivo de Nuno.
- Não sei...sinto a tua falta. Precisava de te ver, saber como estás e conversar um pouco.
A voz dela era trémula. Sentia vontade de chorar ao olhar para todo aquele cenário que a rodeava. Por algum tempo sentira-se extremamente feliz ao lado de Nuno. Ele revelara-se desde os primeiros instantes um excelente amante, bastante inteligente e com um apurado sentido de humor.
Nuno sentia-se confuso e envergonhado. A Raquel continuava bonita e doce como sempre. Acende mais um cigarro e começa a falar sobre banalidades. Sentia uma crescente ansiedade a subir-lhe no peito. Minutos depois, instala-se um silêncio na sala. Ficaram a olhar um para o outro por alguns momentos. Ela aproxima-se dele com os olhos marejados de lágrimas e afaga-lhe os cabelos. O Nuno deixa-se ficar meio expectante. Estava curioso de saber até onde ela iria. Raquel começa a afagar-lhe as pernas. Não queria que ela parasse. Sentia um torpor a invadir o seu corpo, notava que a pele estava a ficar arrepiada.

Precisava de reagir, fazer alguma coisa. Sentia o seu coração bater descompassadamente e aquela sensação de borboletas no estômago. Não queria que ela parasse. O seu corpo sentia calor e calafrios de forma alternada. Tomou coragem e beijou-a. Queria fazê-lo como se fosse a última coisa que iria fazer na sua vida. Ela corresponde e senta-se no seu colo. Os beijos foram aumentando de intensidade e as carícias tornavavam-se mais ousadas.
Estavam ofegantes. Naquele momento era um só. Ele abraçava-a com força como que com medo que ela apenas fosse uma miragem que se fosse transformar me fumaça. Parecia ter medo de a perder para sempre.
Nuno arranca-lhe a blusa e revê aqueles seios grandes que ele tanto admirara. Beijou-os e sentiu os mamilos entumescerem sob a sua língua. Os arrepios e os gemidos tornaram-se ainda mais intensos. Foram tirando a roupa lentamente. Ele sabia como satisfazê-la. Foi redescobrindo e degustando vagarosamente aquele corpo feminino que não tinha mistérios para ele. Ela tinha um corpo quente, mais do que qualquer outra que ele conhecera em anos anteriores e isso enlouquecia-o. Entregaram-se aos mais loucos jogos de amor durante o resto da tarde. Raquel entregara-se como nunca o tinha feito anteriormente. Naquele apartamento pairava um clima muito intenso de amor e desespero.

A noite chegou e com ela, voltou a solidão. A Raquel já se tinha ido embora. Abre mais uma garrafa de whisky e acende mais um cigarro. Estava absorto nos seus pensamentos mais sombrios. Aquela tarde tinha sido um fugaz momento de felicidade. O melhor dos últimos meses. Nuno sentia-se profundamente deprimido. Nada parecia fazer sentido na sua vida. Tinha-se demitido do trabalho e o dinheiro começava a escassear. Nada disso o parecia preocupar. No seu íntimo, ele sabia que não iria viver durante muito mais tempo.
Ainda era relativamente jovem e sabia que era um homem relativamente interessante. Porém, tinha perdido o interesse pela vida e nada o motivava. Gradualmente tinha-se desligado do seu círculo de amigos. Tinha o telemóvel permanentemente desligado e evitava qualquer tipo de interactivade via internet. Por vezes, nem atendia as raras pessoas que iam procurá-lo em casa.
As poucas pessoas que ele tinha atendia não se demoravam muito tempo. Ninguém suportava os longos silêncios do Nuno e toda aquela atmosfera pesada e decadente que pairava ao seu redor.
Subitamente lembrou-se de que há mais de um mês que ninguém o procurava. Estava completamente abandonado à sua sorte. A visita daquela tarde tinha sido apenas um fogacho de efémera felicidade.
No fundo, achava que não queria a companhia de ninguém. Queria viver o resto dos seus dias trancado em casa, tendo apenas o whisky e os cigarros como companhia. O simples gesto de sair à rua para comprá-los era um sacrifício. Tinha noção que se estava a afundar lentamente, permanentemente embriagado e quase sem se alimentar. Levanta-se do sofá e vai para o quarto. Tomba para cima da cama e antes de adormecer, ainda sente o aroma doce do perfume de Raquel empregnado na sua almofada.
Por volta das três da madrugada, acorda estranhamente sobressaltado e com uma forte dor de cabeça. Levanta as persianas do quarto, abre a janela e sente um ar gelado e húmido a bater-lhe no peito. Debruça-se sobre o parapeito do oitavo andar e deixa-se tombar na direcção do abismo inevitável...

4 comentários:

Vontade de disse...

Que coisa macabra, apesar da ternura de algumas palavras. Vê lá se escreves coisas com final feliz.

Libertya... disse...

excelente Bernardo Lupi, exclente...
bjs libertyos

Filipe Simplesmente disse...

Desejo um 2010, quente, intenso e saboroso...

Anónimo disse...

Ai.. porque será o nome Raquel sinónimo de tanto extremo? ;)

passei por aqui hoje e adorei.

Vou voltar.

Bj