segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Magda I


Magda surpreendeu-se um pouco quando ouviu uma voz masculina, anónima e extremamente sensual do outro lado da linha. Fazia dois meses que comunicava com Henrique via internet mas até ao momento nunca tinha falado pelo telefone com ele. O contacto tivera início com um simples e-mail que ele lhe enviara a tecer os maiores elogios ao blogue onde Magda escrevia regularmente e, onde dava asas ao seu rico imaginário erótico. Após dois ou três e-mails, passara a comunicar regularmente por intermédio do messenger. Ela sentia-se crescentemente fascinada por aquele homem maduro, educado, viajado e com uma cultura invejável. Eram vários os dias em que se mantinham em conversas até altas horas da madrugada onde tocavam uma enorme diversidade de temas. Aqui e ali, pontuavam a conversa com pequenas insinuações e trocadilhos mais ou menos picantes. Ao longo do tempo, Magda tinha-se habituado a comentários atrevidos no seu blogue e os corriqueiros e-mails que lhe enviavam com convites e propostas mais ou menos explícitas. No entanto, até à data nunca tivera a vontade ou a coragem de se encontrar com nenhum dos seus admiradores. Aquele telefonema iria marcar um ponto de viragem. Henrique propunha-lhe um encontro em casa dele ao final da tarde. Ela devia saber que era perigoso ir para um lugar tão afastado, na casa de um desconhecido, apenas porque lhe parecia ser um homem interessante. Foi talvez por isso, ou por um inconsciente, ou por um inconsciente e obscuro desejo de enfrentar uma situação misteriosa que Magda, deixou de lado as mais elementares regras de segurança, pegou no seu velho Lancia, saiu de Odivelas e tomou o caminho rumo a Sintra.

Agora, enquanto se encontrava nua e acorrentada nas mãos de um sádico torturador, lembrou-se de que devia ter informado pelo menos uma das suas amigas sobre este misterioso encontro. Lembrou-se de como tinha chegado ansiosa naquela casa isolada, no meio da serra de Sintra, nas imediações de Monserrate. Um edifício cercado por um muro alto, que o tornava parecido com um castelo medieval. Recordou-se vagamente da sensação de solidão que emanava do jardim e das paredes cinzentas e cobertas de hera da fachada, mas não imaginava que pouco depois de entrar pelo enorme portão, seria logo drogada, despida e atada.

Onde estava agora o seu carro? Imaginava que fora queimado e atirado num precipício perto do mar juntamente com os seus documentos e o telemóvel, assim, caso algum dia alguém o descobrisse, os investigadores da polícia iriam pensar que teria ocorrido um trágico acidente de viação. Mas afinal quem poderia alertar a polícia? Ao sair de casa, Magda não tinha comunicado a ninguém para onde se dirigia. Vivia sozinha e o os dez andares do prédio onde morava não lhe permitiam ter relações de proximidade com nenhum vizinho. Quanto aos seus amigos, tinham-se habituado aos seus longos silêncios desde que se embrenhara na escrita da sua tese de mestrado e às suas temporadas no Alentejo onde viviam os pouco familiares que lhe restavam.

Magda apercebia-se lentamente que ninguém a procuraria nos tempos mais próximos, que era como uma morta para o mundo, uma morta viva. Naquela sala húmida, os seus olhos vendados procuravam um raio de luz. Os seus pés, fortemente acorrentados, tacteavam o chão como se aquele piso áspero e coberto de poeira pudesse dar-lhe uma resposta às interrogações que a atormentavam. Sentia os seus braços e as suas mãos presos sem a mínima hipótese de libertação e lembrou-se de cenas de alguns filmes de espionagem que tanto apreciava. Agora sabia o que sentiam os espiões quando eram capturados pelos serviços secretos inimigos e atirados para porões onde os aguardavam torturas horrendas.

E lembrou-se também das longas conversas que tivera com Henrique sobre as suas diversas viagens. Com efeito, agora estava prestes a começar uma viagem realmente diferente. Uma viagem ao mundo da submissão total, onde a sua vontade não tinha qualquer valor, onde o seu corpo seria tratado como mero objecto de prazer, como uma cobaia utilizada para experiências requintadas de tortura física e psicológica.

Passaram-se algumas horas. Não ouvia o menor ruído, pensou que o seu carcereiro se teria ausentado e tentou explorar aquele espaço procurando, quem sabe, uma porta, uma janela ou um telefone. Mas mesmo que os tivesse encontrado, como iria fazer para pedir socorro? Estava de olhos vendados, os cotovelos amarrados, as mãos acorrentadas atrás das costas e presas a um cinto de couro que lhe cingia a cintura. Mesmo assim ainda se conseguiu mexer, mas o carcereiro havia atado também as suas coxas com dois cintos de couro, um acima, outro logo abaixo dos joelhos que, dessa maneira, não permitiam que ela caminhasse normalmente. Só podia avançar arrastando os pés no chão, mas apenas por poucos centímetros, devido tanto aos cintos nos joelhos, quanto à corrente das tornezeleiras, que era curta. Deu vários passos ao acaso, mas, a certo ponto, algo rígido bloqueou a sua marcha grotesca. Percebeu que, além dos grilhões, lhe tinham prendido cada tornozelos com uma argola de ferro, e que as argolas ficavam na extremidade de uma outra corrente relativamente comprida que a mantinha presa ao chão. Desesperada, deu conta que os seus tornozelos estavam duplamente acorrentados. Sentiu-se perdida, sentiu-se como uma escrava presa numa masmorra. Tudo era silêncio. Um silêncio horrível. Silêncios esses que apenas era quebrados pelo barulho metálico e frio das correntes e, pelo esfregar das solas dos pés no piso húmido de pedra. Dois ruídos de natureza completamente oposta: um áspero e duro (como a voz imperiosa de um guerreiro), o outro aveludado, meigo e submisso (como a voz meiga de uma gueixa).

Não obstante, havia uma certa harmonia naqueles sons, uma espécie de complementariedade entre a rigidez absoluta e irrevogável dos grilhões e a fragilidade dos tornozelos e dos pés dela. Magda apercebeu-se desse detalhe e, apesar do medo que a deixava quase parilisada, sentiu um estranho frio na barriga, sentiu que talvez, no fim daquele túnel obscuro, podia haver uma esperança, uma dimensão que até então lhe era totalmente desconhecida. Como um animal cego, continuava a explorar o piso, mas, em qualquer direcção que se dirigisse, era-lhe sempre imposto o limite da corrente. Desconhecia as verdadeiras dimensões do seu cativeiro. Resolveu, então, ir na direcção oposta à força que a bloqueava. Deu meia volta e acompanhou com os dedos dos pés a corrente estendida no solo. Tentou lentamente alcançar o ponto onde devia ter sido fixada no chão. Depois de ter percorrido cerca de cinco metros, percebeu a presença de um pequeno colchão. Imaginou, justamente, que teria sido ali colocado para ela se deitar.

Sentou-se, ou melhor, caiu em cima dele, pois os cintos e as correntes tornavam muito trabalhoso qualquer movimento. Permaneceu sentada por cerca de uma hora tentando livrar-se, forçando alternadamente o que lhe prendia os braços e as pernas, percebendo, todavia que, à medida que ela se enfraquecia, os atilhos não cediam um só milímetro. Esperneou, gemeu, chorou, mas não gritou para não chamar a atenção do raptor que talvez estivesse por perto. Enfim, exausta e vencida, deixou que o seu corpo tombasse em cima do colchão. Como as grossas algemas que seguravam os seus pulsos magoavam as suas costas, teve que se deitar de bruços e logo caiu num sono pesado e povoado de sonhos estranhos.

Continua...

2 comentários:

Anónimo disse...

Um exemplo real de como a internet pode ser perigosa.
Muito interessante a tu história.
Suspense, imaginação, solidão, prisão. ´
Crias esse suspense.
Fazes supor a realidade, a fantasia.
Acredito que ela vai supreender.
O sofrimento e a dor vão acabar numa entusiasmante e arrebatadora cena de sadismo, masoquismo,sexo, loucura e paixão.

Diana

Libertya... disse...

estou com a Diana em tudo, e acrescento apenas:
a tua escrita é de um toque...esplêndido.
bjs libertyos em ti