sábado, 6 de junho de 2009

Fuga da Rotina I


Rogério sentia-se particularmente entediado naquele final de tarde. Cumpria mais um rotineiro turno na praça de táxis do Norte Shopping. A licenciatura em Arqueologia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, não lhe tinha aberto grandes oportunidades profissionais e há três anos atrás tinha aceite o convite do seu tio Armando para conduzir o seu táxi, no período vespertino , que normalmente se prolongava até às duas da manhã. Para trás ficaram os sonhos de empreender escavações arqueológicas e fazer carreira no campo da investigação. A vida real e a necessidade de ajudar os pais que viviam com crescentes dificuldades económicas, faziam-no percorrer as ruas, avenidas e arredores daquela cidade que o tinha visto nascer, transportando dezenas de passageiros de um lado para o outro. Sempre era melhor abraçar aquele trabalho do que mergulhar nos caminhos tortuosos do desemprego prolongado que afectava diversos ex-colegas de curso.
Todos os dias ia aprofundando o seu conhecimento das complexidades do ser humano. Chegava à conclusão que cada pessoa era um universo composto de características muito interessanres. Diariamente deparava-se com clientes de todos os tipos. Os simpáticos, os menos simpáticos, os conversadores, os silenciosos, os ébrios, os alegres e os deprimidos.
Faltavam poucos minutos para as oito da noite e Rogério refugiava-se no interior do táxi. Havia dias em que não tinha muita paciência para as conversas dos seus colegas de profissão que ali ficavam de cotovelo apoiado no tejadilho dos carros, a debitar discursos inflamados sobre futebol, sobre os desvarios do Governo ou a tecer comentários maliciosos sobre algumas mulheres que passavam nas redondezas. Eles estranhavam o seu comportamento e muitas das vezes tratavam-no jocosamente por doutor, como que a querer relembrar que ele não era aceite como um igual.

Naquele dia uma estranha sensação de vazio e apatia invadiam o seu espírito. O movimento estavava fraco e a fila dos táxis ia avançado com a lentidão de uma tartaruga paraplégica. Uma hora e meia depois, Rogério era o primeiro da fila, mantendo-se silencioso e inerte no interior do veículo. Começava a sentir uma ligeira sonolência. Este torpor foi interrompido por um toque no vidro da sua janela. Era uma cliente a solicitar o serviço. Aparentava ter cerca de quarenta e cinco anos, tinha uma compleição física robusta e cabelo curto. Numa das mãos carregava dois sacos daquelas lojas que se repetem em todas as superfícies comerciais.
Rogério limita-se a acenar positivamente com a cabeça. Ela rodeia o táxi, abre uma das portas e instala-se tranquilamente no banco traseiro.
- Boa noite! Para onde vai ser... - pergunta Rogério.
- Boa noite. Vamos para a Rua Faria Guimarães, ali junto ao Marquês - responde ela, numa voz arrastada, ligeiramente snob.
Rogério acciona a ingnição do carro, liga o taxímetro e arranca rumo ao destino pretendido. Discretamente e de modo quase automático, olha para o espelho retrovisor e faz uma breve avalição da sua passageira. Sem sombra de dúvidas que se tratava de uma quarentona com boa aparência. O rosto transmitia uma energia vibrante e uma personalidade forte. Ela parecia distraída, olhando para a rua. Ele continua em média velocidade na direcção do centro do Porto. Tudo indicava que iria ser uma viagem silenciosa. Ao contrário de muitos colegas seus, Rogério raramente tentava iniciar um diálogo. Preferia sempre que fosse os clientes a fazê-lo, temendo importunar alguém.

Novo olhar para o retrovisor. A cliente surpreende o olhar de Rogério e esboça um sorriso enigmático. Ele sente-se momentaneamente embaraçado e desvia o olhar para a estrada. No entanto, ele sentia aqueles dois olhos cravados na sua nuca, como se fossem as garras de uma águia. O silêncio é interrompido subitamente.
- Você não me parece muito feliz...está com um semblante tão carregado! - avança ela.
- Todos nós temos os nossos dias menos bons...realmente hoje sinto-me um pouco em baixo. Mas nada de importante - responde Rogério, quase displecentemente.
- Não me diga que são problemas com a namorada. Um homem tão bonito como você não se deveria preocupar com essas coisas - diz ela, no mesmo tom de voz arrastado.
- Antes fosse! De momento não tenho problemas desse tipo.
- As mulheres devem andar todas cegas ou então exigentes demais...um homem assim, não é para andar por aí sozinho.
A conversa tomava estranhos contornos. De vez em quando, havia sempre uma cliente ou outra que se insinuava mas Rogério preferia sempre não alimentar esse tipo de diálogos por uma questão de profissionalismo. Por outro lado, havia sempre a hipótese de uma conversa deste tipo indiciar que a cliente em questão não tivesse dinheiro para pagar a bandeirada e tentasse fazer o pagamento por outros meios. Já lhe tinha contecido por algumas vezes. No entanto, aquela mulher transmitia uma energia, um mistério que o instigava a ir mais além e a alimentar a conversa.
- Isso não é problema! Existem coisas que me preocupam mais neste momento... - continua Rogério, olhando pelo retrovisor.
- Bom, você lá sabe. Posso saber o seu nome...
- Claro! Sou o Rogério - responde ele, em meio de uma gargalhada espontânea.
- Muito prazer. Eu sou a Alice.
- Olá Alice! - saúda Rogério, lançando um olhar mais intenso pelo retrovisor.

Entretanto, o táxi aproximava-se do seu destino final. Subiam a íngreme Rua Faria Guimarães.
- Ora, diga-me então onde quer ficar...
- Lá no cimo da rua, perto da entrada do túnel. Moro naquele prédio cor de salmão.
Rogério estaciona na berma da estrada, em frente ao número 282, um edifício estreito de quatro pisos. Olha para o taxímetro. Alice abre a sua mala, retira a carteira e estende-lhe duas notas de dez euros.Ele procura algumas moedas para lhe dar o troco. Ela interrompe-o.
- Pode guardar o troco para si.
- Muito obrigado então - responde Rogério, gentilmente.
- Olhe uma coisa...não sei se ainda falta muito para terminar o seu turno. Gostaria que subisse comigo...
Rogério inquieta-se um pouco no banco e fica sem saber o que responder.
- Supostamente o meu turno deveria durar até às duas da manhã...
- Vá lá, abra uma excepção para mim. Vai ver que não demora assim tanto e que quando sair daqui, ainda vai a tempo de fazer algumas corridas.
Apesar da notória diferença de idades, a imagem daquela mulher era tentadora. Pelos olhares e sorrisos insinuantes, as segundas intenções daquele convite eram explícitas. Rogério sente uma súbita erecção. A partir deste momento sabia que a sua habitual racionalidade passava para um segundo plano. Era a primeira vez que cedia a um convite insinuante por parte de uma cliente e havia sempre uma primeira vez para tudo na vida.

- Está bem...deixe-me então, estacionar melhor o carro - diz Rogério, virando o rosto para o outro lado da estrada.
- Ainda bem que aceitou o meu convite - responde Alice, já a tirar as chaves da mala.
Ela sai do carro e dirige-se para a entrada do prédio. Em manobras algo complicadas, Rogério consegue encaixar o táxi na única vaga de estacionamento que encontrou do outro lado da rua. Atravessa a estrada e sente um arrepio percorrer-lhe a espinha. Sentia que a sua adrenalina estava a subir perante a perspectiva de uma sessão de sexo casual. Logo a seguir, pensou que talvez fosse melhor ir com calma. Possívelmente seria uma mulher solitária e apenas quisesse dois dedos de conversa. Deixaria a iniciativa por conta dela.
Ela esperava-o, segurando a porta do prédio. Sobem as escadas estreitas e entram no apartamento. Rogério é conduzido para a sala de dimensões acanhadas. Alice diz para ele se sentar no sofá e ficar à vontade. Informa que vai arrumar as suas coisas e que voltaria em dois minutos.

Continua...

5 comentários:

Unknown disse...

Escreve bem...

Millady disse...

Ora cá vai então uma indecência lol...
B!!! Mais um dos teus relatos repletos de tesão? To be continued...
Beijo doce B!

Roberto Ney disse...

sair da rotina é essencial...
em qualquer situação. afinal, são tantas as possibilidades lá fora...
abraço

DoisaboresEle disse...

Onde é que se pode encontrar este táxi? lol
Beijos saborosos

Luna disse...

Sensacional escrita.
Aguardo a continuação.
Bjs de Lua Cheia